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segunda-feira, 9 de abril de 2007

Albertinho

SILVA, André Lopes

Albertinho tinha uma característica privilegiada, era metódico. Disciplina era a sua palavra predileta, queria todos os filhos, pra não dizer o mundo, assim, metódicos, disciplinados e absolutamente cristãos. Ele era acima da média dos homens comuns, acima dos vagabundos como eu que fui obrigado a conviver uns dois anos e meio com ele. Era nítido o desprezo dele por mim, Albertinho era mais velho cheio de manias, metodismo, disciplina, dono de uma fragilidade oculta que ele sempre projetava no outro, de preferência nos vagabundos, era como ele se referia aos outros, que eram diferentes dele, olhando fixamente para mim, ele repetia esse discurso como se eu fosse o pior dos vagabundos.

Albertinho me incomodava e comovia, queria afastar-me dele mas não conseguia, ele tinha uma certa voz de comando sobre as pessoas, e cambaleava pateticamente entre a figura de um líder espiritual e de um embuste. Ele tinha suas fraquezas e mentia dizendo a verdade, era acima da média dos homens comuns. Alguma tragédia estaria por vir, fiz essa previsão, e esperava todo dia uma merda acontecer.

Era bom ouvir Albertinho, contava histórias triunfantes sobre o demônio, que o dito-cujo estava nas bebidas alcoólicas, nas mulheres, nos lugares dançantes, nas músicas mundanas, na fumaça do cigarro, nos palavrões, em certos alimentos e eu me sentia o próprio Lúcifer rendido. O demônio humilhado supera qualquer Legião, um homem que se dizia de Deus se extasiava ao falar do capeta, não sabia se ria ou se levava a sério aquele papo sobrenatural de Albertinho.

Certa vez Albertinho me disse que o adultério causa loucura, idéia que mais me acalmou do que desesperou, ri dos meus pecados e constatei que fatalmente vivemos numa República de lunáticos. Comecei a duvidar de certas coisas, como; será que Albertinho sente tesão pela sua esposa, aquele trapo humano, sem cor, sem forma, sem bunda, sem ter onde pegar e etc? Minha companhia era muito demoníaca para Albertinho que queria entrar no céu vestido de anjinho sem pecado, já eu queria e quero chegar lá com todos os pecados possíveis e mais alguns, sem medo de ser rechaçado, de voltar aleijado na próxima encarnação, ou faltando um pedaço, ou viado, ou mendigo, antes de qualquer coisa eu quero existir, sentir, fazer o outro sentir também seja conforto ou dor, amparo ou desamparo, ser poeticamente o pior dos piores.

Albertinho era muito metódico e dogmático tanto que na véspera do seu aniversário espancou sua mulher, por ter contestado a Bíblia, e no fim do dia comeu vidro moído misturado no feijão.

Um comentário:

Luiz Fernando disse...

Ae chapoca, grande idéia é publicar seus escritos. Não os deixe mofar! Forte abraço!

Luiz Fernando.

ps. Ahhh, esse Albertinho...