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segunda-feira, 9 de abril de 2007

É a tarde que se passeia na praia

(André Lopes)

O olhar de Guiomar me enfeitiçava. Era assim, não precisava de falar mais nada. Meu estômago já roncou várias vezes por causa desse olhar e às vezes ainda ronca. Como estou há um tempo sem beber nadinha vou dar uma andada por aí. As vezes vem a vontade besta de querer pensar em Guiomar. Dizem que ela já empacotou uns três folgados que quiseram se meter a besta com ela. Não duvido. Ela tinha atitude. Conheci o último cara dela, ela não era de ninguém os caras é que eram dela. E por essa razão o tal fulano foi se acabando. Largou a vida e foi ver o mar, dormia na praia. Ela não gostava de tocar no assunto, eu respeitava, mas quase todas as noites encontrava com o fulano e a gente trocava umas meias palavras. Eu gosto mesmo é de ver o mar, me dizia com o olhar lacrimoso. Eu conhecia o mar a menos de um ano e ainda não tinha encontrado esse segredo que naufragava o velho homem. Eu queria morar lá dentro, bem no fundo, ele sempre terminava um assunto assim, levantava, ajeitava a calça imunda, passava a mão no rosto e no cabelo bagunçado e seguia, não andava, cambaleava, quase cai não cai.

Numa levantada dessas o sujeito ainda vai beijar o chão. Pensava. Nessa ele quase caiu, fui ajudar e ele me deu um esporro. Qualé que é otário, tá me achando com cara de loque seu puto, me larga porra. Ele era bem mais velho do que eu, só queria ajudar, ele se irritou, seria por causa de Guiomar, que agora era minha, seria por causa da minha juventude, da força que ia minguando nele? Fui pra casa sem resposta.

Você vai acabar como o velho. Me alertou um fulano. Eu não quis acreditar, tava firme no meu taco, e a sorte sempre me deu o braço. Mesmo porque o fulano me falava isso e ria, tava sempre de porre, mas falava isso com tanta convicção que fui aos poucos dando lugar pra verdade dele. O que sentia por Guiomar foi mudando, passei a procurá-la menos e passar mais tempo na praia, esperando o velho. Ali por volta das seis e meia, sete horas da noite ia pra praia, esperar. Tinha várias perguntas na cuca, mas na presença do velho ficava mudo e ele rosnava. Tá olhando o que seu bosta! Não sentia raiva dos esporros do velho, às vezes tinha vontade de rir ou chorar ao invés de cacetear um sopapo nele.

Queria saber mais sobre Guiomar, mas da última vez que toquei no nome dela pra ele o velho me pegou pelo colarinho e chorando e babando rosnou com bafo de pinga: Nunca mais toque no nome dessa vadia! Fui o único que gostou de verdade dela, ela estragou meu peito e a minha cuca to assim por causa dela, de loque apaixonado virei mendigo... Não sabia calcular quem gostava mais de Guiomar, ambos gostavam da mesma mulher, o sentimento do velho valia por um batalhão o meu era um exército de um homem só.

Depois do silêncio e da lembrança do acontecido perguntei se ele queria comer algo, depois de uns trinta segundos olhando pro mar levantou e saiu andando, não fui atrás, deixei o velho andar.

Naquele dia fui pra casa sem ver Guiomar, como disse os caras que eram dela, e era eu quem procurava, quem ligava, quem ia atrás, nesse dia preferi ir pra casa, engolir alguma coisa dormir mais cedo pra no dia seguinte ir falar com o velho. Acordei cedo o dia tava chuvoso fui pra praia. Uma movimentação, gente pra lá e pra cá, viatura, ambulância, curiosos se atropelando pra ver o velho sem roupa boiando no mar.

(André Lopes)

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