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terça-feira, 10 de abril de 2007

No Ponto de ônibus

(André Lopes)

- Graças a Deus, no final do expediente vou pra casa ouvir Orlando Silva!

Era a idéia que mais alegrava o contínuo Altair. Sujeito magro, estatura mediana, pescoço enrugado, dedos amarelos. Seu mau hálito sempre o fez recusar os convites de seus colegas de repartição para o chope das sextas-feiras. Altair sorria com uma esticada insossa dos lábios e um leve franzir de testa, denunciando-lhe, as rugas dos trinta anos e o desalinho da sua boca solitária, de virgem Vicentino.

- Talvez fosse isso.

Com esse pensamento Altair perdia suas noites de sono e sempre chegava atrasado na repartição.

Suelen, respeitosamente tratada por Dona Suelen, era a única que Altair ousava mostrar seus dentes podres e virginais. Nem sempre ela olhava para o sorriso amigo do infrene colega, e em resposta ao desprezo de Suelen Altair baixava a cabeça e se dirigia ao seu departamento.

- Quinze anos nessa joça!

Bradava para si o contínuo sem jaça. Depois de longos sorrisos debutantes Dona Suelen o fuzila com uma pergunta espinhosa:

- Me diz uma coisa Altair, você ainda mora com sua mãe?

Altair se atrapalhou com os papéis, errou três cálculos e apertou o dedo mindinho na gaveta, roxeando-lhe a unha encravada. Dessa vez ele não mostrou os dentes bambos, mostrou os olhos azuis avermelhados e uma tosse seca, que ele tentava agarrar com a palma da mão direita, para não empestiar o ar da repartição.

A risadinha frívola de Dona Suelen fez Altair, no dia seguinte, comprar um punhal e gravar nele o nome de sua mãe.

Duas idéias transformavam as noites de Altair em tardes sufocantes de setembro: a boca que apodrecia sem nunca ter conhecido um beijo e ainda morar com a mãe.

Dona Marineide não queria ver o filho acabar como o pai e os tios, cacheiro-viajante e tuberculoso, ela vivia o ameaçando: - Se você não largar a bebida vou derramar óleo quente no seu ouvido!

Passado dois dias que a triste pergunta de misteriosa resposta havia sido feita, Altair fez algumas concessões. Vendeu os discos do Orlando Silva, aboliu a gravata azul e o paletó cinza, raspou o bigode falho e passou a andar de manga de camisa. Dona Marineide não reconhecia mais o filho e os Vicentinos começaram a sentir sua falta.

Já não sorria mais para Dona Suellen, apenas abanava a mão e a cerrava imediatamente, repousando-a no bolso da calça.

Às vezes coincidia de os dois irem para o ponto de ônibus juntos, ela pegava a condução primeiro do que ele, sem tempo para uma conversa mais demorada. Certa vez Altair quis elogiar o vestido azul decotado, o batom vermelho, o cabelo descolorido escovado, rasgar-lhe a roupa e rolarem no chão. O ônibus de Dona Suelen chegou primeiro. Foi pra casa acabou com uma garrafa de Cabernet e ouviu todos os discos do Orlando Silva.

Passada uma semana, dona Suelen foi de vestido vermelho e sapato preto, também carregava nas unhas e na boca carnuda a cor grená. Altair nem aceno de mão, levava o punhal no bolso direito. Nesse dia ele saiu mais cedo e esperou Dona Suelen atrás do ponto, agarrou-a por trás, tapou-lhe a boca e apunhalou-a trinta e cinco vezes. O punhal ficou enterrado no colo de Suelen, estirada no meio fio, com a boca aberta, um rosto pálido, um filete de sangue e uma interrogação no branco dos olhos.

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