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segunda-feira, 9 de abril de 2007

Felipe, versículo final

SILVA, André Lopes

Era o medo de dobrar a esquina que prendia Felipe naquele copo sujo chamado “Bar da Tia Olinda”, daquela mesa de ferro amarela ele via o mundo sempre enferrujado e amarelo como a mesa do bar.

Felipe se acocorava por ali por volta das seis, sete horas da noite e só ia embora quando o medo de dobrar a esquina passava, quando passava, quando não passava ele dormia na mesa, até ser mandado embora dali e se ajeitar numa calçada qualquer. Não sei bem se o nome dele era Felipe mesmo, mas ele tinha cara disso, antes de ter cara de vagabundo.

Tia Olinda era uma velha baixa, magra, de voz grossa, trazia sempre um abridor de garrafas dependurado no pescoço por um barbante, o que a distinguia de todas as outras tias do mundo e lhe conferia um tom bastante humano e honesto. Lá vem o filho da puta do Felipe! Era assim que ela anunciava a chegada do dono da mesa. As vezes ele já chegava bêbado, cantando sambas antigos e gritando alto, a esquina eu não viro!

Isso sempre era motivo de riso e piada da rapaziada, Felipe era o ultimo a sair do boteco, derrubava todos, os que ficavam rindo dele sempre saiam mais cedo vencidos pelo álcool, mijados ou vomitados, Felipe agüentava por ali, estacado e com medo de virar a esquina.

Um novato mais desavisado sempre incorria no erro de perguntar pro fulano porque que ele não virava a esquina, Felipe sempre respondia certeiro e com a voz pastosa, manca, ratiante: Vai pra puta que te pariu! Fechava o olho e mandava uma talagada de conhaque e cerveja pra dentro, sem tempo pra respirar.

As vezes Felipe se mijava todo, despreocupadamente, comovido ele bradava, isso sim é que é poesia da boa, e ria estrondoso. Uma mijada e uma cagada na roupa é o melhor poema que um homem pode fazez, era o jargão preferido de Felipe.

Bora Felipe já deu o que tinha de dá, vai pra casa, Tia Olinda enérgica com o trapo humano. Vou nada eu não vou dobrar a porra daquela esquina, e ele chorava copiosamente, digno de piedade.

Felipe bebeu até não agüentar mais, começou a vomitar, urinar e obrar sangue, seu fígado tinha ido embora nas fezes, de oitenta e dois quilos foi parar com quarenta e dois, já não andava, rastejava apoiado nas paredes, morreu na rua, na esquina que ele tanto temia, a mesma que a cerca de treze anos atrás havia estuprado a netinha de oito anos da Tia Olinda.

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