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sábado, 9 de fevereiro de 2008

A decisão

(André Lopes)

- O trem parte às 17:20 doutor Morais.

- Ainda tenho tempo de dar mais um cochilo, me chame às 16:50 .

- Ok!

Precisava partir, doesse a quem doesse, era preciso, antes que Doutor Morais fizesse uma besteira, ou melhor, outra maior.

Doutor Morais era sujeito sereno, pálido e sem excessos. Um desejo vital lhe consumia: assassinar a própria mãe.

Em uma noite abafada de verão, após chegar do expediente e tomar seu cálice de vinho costumeiro ele criou coragem. De pés no chão foi até a porta do quarto do casal de idosos, verificou se os dois dormiam, perfeito, foi à cozinha pegou a faca que a mãe destrinchava frangos e galinhas, pensou no pai com esclerose múltipla e chorou com a faca na mão.

O pai não controlava seus atos, defecava e urinava despercebidamente na roupa, na hora do almoço, a tarde, na frente das visitas, a mãe explodia em fúria, um ódio escabroso transformava a pacata senhora numa louca possessa e imprevisível. Moraizinho, assim chamado pela mãe, engolia tudo aquilo, numa consternação beata.

Moraizinho era o mais novo de 12 rebentos, todos dispersos pelo mundo, do casal, juntos à quase 60 anos. O caçula já deixava de ser um medalhão e se aproximava dos 40 numa lentidão de paralítico. Vinha sôfrego de um casamento mal sucedido de 7 anos o que era nítido nos seus cabelos brancos e nas suas olheiras profundas. Sem emprego e sem mulher voltou à casa dos pais. Doutor em Filosofia arranjava alguns bicos pra manter a vida etílica em dia. Nada mais lhe dava dinheiro a não ser os bicos das aulas que ele dava de vez em quando.

- Preciso matar a velha!

Em prantos Moraizinho ruminava a idéia maligna, passou a noite em claro, esperou o dia clarear trancado no seu quarto úmido que cheirava a mofo. Sentado no chão abraçado às próprias pernas não largou a faca e nem a idéia do crime. Fez menção de cortar os pulsos, exitou. A gritaria da mãe do lado de fora do seu quarto despertou o filho pródigo do seu pesadelo de morte.

- Morais! Você não presta nem pra me ajudar a limpar a merda do seu pai. Corre aqui, agora!

Para Moraizinho talvez não houvesse oportunidade melhor para seu intento. Deu um pulo, escondeu a faca debaixo da camisa e foi ao encontro do seu destino sangrento. A cena que ele viu ao chegar no quarto do casal foi desencorajadora para qualquer boa vontade de um cristão. A mãe possessa esmurrava o velho moribundo que padecia no meio de suas próprias fezes. A pacata senhora já havia batido a cabeça do velho três vezes contra o chão. O sangue misturado às fezes tirou Moraizinho de si que numa calma jurídica agarrou a mãe pelo pescoço e sussurrou:

- Deixa comigo, eu vou acabar com isso!

E abriu o abdômen do velho pai num golpe preciso e decidido.

Um comentário:

Gustavo Santiago disse...

Eu amo esse conto seu
o geito que ele acaba é incrivel.

posta mais moleque.

abraços