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sábado, 9 de junho de 2007

O Sim de Venâncio

Venâncio tinha aceitado Leonice, uns diziam que o “sim” dele tinha sido mais convicto do que o da moça branca, alta, de olhos azuis. O sim de Venâncio era o assunto predileto das famílias Canedo e Valverde. A confiança que as famílias dos pombinhos depositavam no enlace juntou 400 convidados. Eu quero casamento de princesa pra minha filha, bradava a mãe da noiva. Venâncio recém-formado em medicina já tinha ares de doutor, Leonice gostava de livros. Tudo ocorria na santa paz, os preparativos, as amigas eufóricas, a encomenda do bolo, do vestido, as amigas invejosas também, os parentes que estavam sempre presentes, nos velórios e casamentos.

O noivo tinha umas economias, mas a festa ficou por conta de Seu Leôncio, pai da noiva. Venâncio não objetou, queria logo ir pra lua de mel. A espera de três anos era dolorosa. O tempo de Venâncio era preenchido pelos estágios, que varavam dia e noite, o tempo de Leonice era mais ocioso, casa, faculdade de sociologia, cinema, amigas e livros.

Numa sexta-feira Leonice quis surpreender o noivo. Eu quero agora; mas aqui no seu quarto?; Meus pais tão fora; e se eles chegarem?; A gente tá quase casando; tudo bem; Vai; o que que foi; Vai mete; ...; Morde a minha virilha seu puto; que que isso amogueco; Isso é jeito de falar sua bicha, detesto quando você fala assim, vai tomar no cú, que porra Venâncio tava tão gostoso e você me solta uma merda dessa. Venâncio tremeu, ainda estava paralisado com a reação de Leonice, era tudo um pouco demais pro noivo que aguardava a lua de mel. Ele inventou um plantão, vestiu as calças, jogou a camisa nas costas e saiu a galope da casa da noiva. Nua, deitada na cama Leonice ria debochadamente.

No dia seguinte, Venâncio apareceu na casa da futura esposa para almoçar com a família, pálido e com os olhos afundados nas olheiras. Que que foi rapaz viu assombração? Perguntou seu Leôncio. Leonice, sempre olhando o futuro cúmplice, comia de um modo particular para Venâncio e comum para a família. Os olhos cerrados, a boca carnuda, o garfo passeando com um pedaço de bife entre os lábios provocou náusea em Venâncio e um forte desejo de terminar tudo. Mas que que é isso meu filho; preocupou seu Leôncio, rebuliço na mesa, enquanto a noiva continuou sentada largando uma risadinha sacana, dona Elvira a mãe, olhou a filha com rabo de olho. Levanta menina vai fazer um chá de canela pro seu marido. Futuro marido mamãe, futuro. Que você ta dizendo; o silêncio abafou o pampeiro instalado a pouco; dona Elvira perguntou novamente; o que você ta dizendo sua descarada. O bofete na cara da filha coroou o domingo em família. Venâncio se recompôs e saiu.

A entrada na igreja de Leonice foi triunfal, todos de pé, comentários miúdos: “dizem que o pobre é brocha”, “e ela tão bonita”, “não sei se isso emplaca”. Na noite anterior Venâncio havia recebido surpreendente visita, que lhe deixou sem fôlego e ânimo para o dia seguinte.

Por volta da oito da noite, horário que o noivo estava em casa, alguém bateu à sua porta, era um homem baixo, franzino, olhos atentos e bigodinho. Esfregando muito as mãos, olhou fuzilante o pré-marido: “Vais te meter numa maçada”; “que falas velho?”; “Conheço sua futura, vais levar um demônio para o altar”; “Vim entregar isso pra ela, esqueceu ontem no bolso da minha calça”. Era a calcinha rendada de Leonice, a que Venâncio mais gostava: “Rua seu imundo, lhe dou um tiro na cara, puto sem vergonha, lhe me meto bala, ordinário”. A fúria de Venâncio parecia em vão na véspera de tão dignificante dia. O esplendor de Leonice, contrastava com a palidez de Venâncio no altar que na hora do sim meteu três tiros na noiva e uma bala no ouvido.

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