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terça-feira, 14 de agosto de 2007

O Santo

Um santo! O Luciano é um santo! Camila incutiu essa idéia na cabeça desde o primeiro dia em que viu o que seria canonizado por ela. Os gestos de Luciano eram demasiado doces e suaves, sem insinuações eróticas, o que fizera despertar na jovem sonhadora a imagem de um arcanjo excelente. Luciano era pacífico, incapaz de explosão raivosa, algo entre os 70 e 80 quilos, estatura mediana, com um defeito leve, apenas um: amante da música.

O apreço pela música deixava Luciano, aos olhos de Camila, mais etéreo e menos fálico. O desespero de Luciano era visível, romântico tardio era hábil em sonetos e toda noite endereçava um a sua amada. Músico, sonetista, romântico tardio, angelicalmente suportável. Aos poucos Luciano ia encarando essa figura apesar da época não abrigar essa persona, que os amantes iam fabricando.

No terceiro ano de namoro, Camila exigiu decisões, Luciano se desesperou, e para evitar qualquer atrito mudava repentinamente de assunto, com a certeza de que chegaria em casa, se trancaria no quarto para escrever. Quanto mais Camila beatificava Luciano o jovem semi-virgem experimentava a morte. Resolveu se confidenciar com Lauro, rapaz atirado, boa praça, perfumado e bigodinho. Amigo inseparável até a chegada de Camila que deixou cada um num canto, duas bolas nas bocas de suas caçapas. Lauro estranhou a aproximação de Luciano. – Achei que tinha casado e esquecido os amigos! Ou veio me cobrar? Lauro devia uma soma ofuscante à Luciano, o recém-arcanjo perdoou a dívida.

- Lauro, preciso falar urgente com você!

- Desembucha.

A frieza de Lauro era a principal arma com as mulheres, o desprezo dele para com as do sexo frágil era a garantia da sua coleção de orgasmos. No entanto, sabia ouvir os amigos.

- A Camila acha que eu sou Santo!

- Que que tem?

- Que que tem como cara, ela tá me fudendo com essa idéia besta!

- Só sei de uma coisa, isso dá o maior azar pro homem.

Lauro acertou em cheio, Luciano sentiu o chão se abrir, quis grudar no colarinho do amigo, por achar que era praga sendo rogada.

- Eu preciso fazer alguma coisa, mas quero come-la antes.

- E ainda não comeu?

- Não.

- Ta vendo. Esse papo furado não cola, abre o olho, que o dela ta mais aberto que o seu.

Luciano começou a sentir raiva do amigo por lhe revelar a identidade perversa da amada.

- Olha que ela te trai.

- Cala a boca Lauro, você não sabe o que tá dizendo!

- Porra Luciano, você vem me tirar do meu sossego, e não quer ouvir a verdade caralho!

Lauro gritava e cuspia, e com os olhos um tanto marejados e a respiração lenta soltou a bomba.

- Ela te trai.

- O que?

- É isso mesmo, daí você acredita se quiser.

- Isso é muito sério Lauro, se for mentira lhe parto a cara.

A Santidade de Luciano se desmoronou, teve ímpeto de acabar com tudo, até mesmo com a própria vida, chegou a ficar na dúvida entre a estriquinina e uma bala no ouvido. Lauro pediu calma e se voluntariou para acompanhar o desterrado ao local do pecado. No centro da cidade havia alguns hoteizinhos de quinta categoria, em um desses Lauro viu Camila entrar e sair algumas vezes. No primeiro dia que Lauro viu a amada do amigo querido e ausente entrar no muquinfo , algo espetou com violência o estômago do amigo, daquele dia em diante Lauro foi privado das bebidas, do cigarro e da carne da porco. Na seqüência veio a sentença do médico: - Sua úlcera derramou camarada, isso vai virar um câncer. Lauro nunca mais apareceu no médico e rezava pra si todas as noites: - Prefiro o câncer me comendo do que contar pro Luciano que ele é traído.

Enquanto o câncer comia Lauro pro dentro, Luciano ia se anulando entre o chifre e a santidade.

- Olha aqui Luciano, se você quer ver eu te mostro, mas se não quiser vai pra casa.

- Ir pra casa como, com essa dúvida, prefiro um câncer do que uma traição.

- Tá dizendo bobagem.

- Então ficamos combinados assim, amanhã você me procura aqui às nove da manhã, em ponto, que eu te mostro tudo.

O dia seguinte não amanheceu para Luciano que na hora de dormir, já deitado na cama, derramou álcool no seu corpo e ateou fogo. Durante a madrugada, atraídos pelo cheiro de carne queimada os vizinhos arrombaram o apartamento e encontraram o doce casal abraçados e já pretos como carvão.

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